Django Livre (Django Unchained, 2012), Crítica

Quando comecei este blog não pensei que publicaria críticas aqui, somente desenhos, pinturas, vídeos, esse tipo de coisa. Quando me foi sugerido escrever a crítica deste filme, e colocá-la aqui, pensei que fosse uma ótima idéia, mesmo sendo uma coisa a respeito da qual não tinha pensado. Então, com prazer, exponho a crítica que escrevi sobre o filme Django Livre:

Aviso: A crítica é destinada a quem já assistiu ao filme, contendo ela spoilers (informações que devem ser descobertas ao assistir ao filme, no caso). Leia por sua conta e risco.

Django Livre (Django Unchained, 2012), um western sulista que se passa dois anos antes da Guerra Civil Americana, é o primeiro western de Quentin Tarantino, gênero que claramente muito o influenciou ao longo de sua vida. Estrelando Jamie Foxx como o personagem-título, Christoph Waltz (Coronel Hanz Landa de Bastardos Inglórios, filme anterior do diretor), como o caçador de recompensas alemão Dr.King Schultz, Leonardo DiCaprio como o dono de grande plantation Calvin Candie (ou Monsieur Candie, como prefere ser chamado), Samuel L. Jackson, como Stephen, escravo de Candie, e Kerry Washington como Broomhilda Von Shaft, apelidada de Hildi, também escrava de Candie e mulher de Django. A obra retrata indubitavelmente o estilo Tarantino, lembrando, assim, um romance (não confundir com história de amor) e apresentando os exageros cômicos e idiossincrasias características, salvo a divisão em capítulos. Além disso, o novo maneirismo coerente que é o uso do superzoom repentino, e a continuidade da onda de poliglotismo do diretor, com relances de outras línguas que não o inglês, o que não é usual para uma produção americana (e que vejo como positivo). Aliás, é o filme mais engraçado do diretor, não só pela escatologia da violência, (o sangue está por toda parte neste filme, espalhando-se em explosões causadas por tiros de revólveres e outras armas), mas pelas situações e frases de efeito, como “They’re wipping Little Jody?” ( ou, “Estão chicoteando a Pequena Jody?”, em português), ao mesmo tempo apresentando muitas cenas de violência bruta e dramaticamente impactante, o que também está presente no Django original, filme que serviu de inspiração para esta nova produção.

O filme não é a ampla revisão histórica de Bastardos Inglórios, mas conta uma improvável odisséia de revolta contra os brancos nos Estados Unidos que não ocorreu, similar ao que os Bastardos fizeram aos nazistas. Ele se inicia engraçado e comparativamente leve; torna-se mais denso à medida que avança, mostrando realidades duras e tornando-se “um filme de adultos”, quando é aparente algo como uma pausa para falar de assuntos sérios, mas assuntos sérios extremamente estimulantes com piadas e excelentes frases de efeito inseridas no meio; por fim se dá às ótimas loucuras de Tarantino, acabando triunfalmente e comicamente em uma vingança sangrenta bem-sucedida, com Django, vestido com roupas requintadas de Calvin Candie, e Broomhilda, reunidos. Como é de se esperar, a história não é linear integralmente, utiliza-se de flashbacks inteligentes mas não extensivos como em Kill Bill, no qual chega a dividir o filme em passado e presente.

Outra aspecto inusual é a utilização do termo “nigger”  de forma tão extensiva e espontânea, de tal maneira que foi dita muito mais vezes do que em qualquer outro filme que eu já tenha assistido, e que representa uma ótima caracterização histórica, além de gerar inúmeras piadas. As críticas que definem o filme como racista, contudo são más interpretações do material, pois é exatamente o contrário. Cenas de violência seca mostram ao espectador os mal-tratos enfrentados por escravos e a mentalidade do que era aceitável na época e no local, assim como reflexões sobre a prática da caça de recompensas, muito por ela se fazer tão presente e tão sincera, mesmo com o mirabolante Dr.King Schultz a realizando ao lado de Django. Tarantino quis mostrar sem meias palavras as crueldades da escravatura nos estados sulinos dos Estados Unidos.

Dr. King Schultz, aliás, é um personagem muito interessante, contrastando sua teoria igualitária ao racismo dos outros personagens brancos. Christoph Waltz tem uma interpretação parecida em muitos aspectos com a sua do Coronel Landa, com a inclusão de um trejeito de pentear e em seguida enrolar as pontas de seu bigode, e um pouco menos psicopatia que seu personagem do filme anterior. Existem várias cenas em que ele toma posição central, como a dentro do saloon vazio, quando fala com Django enquanto serve cerveja e tira o excesso de espuma com o palito, parecido com os closes de comida de bastardos inglórios; outra onde pode ser sentido um provável eco da forma de Tarantino dirigir quando ele pede a Django para escolher suas roupas e lhe concede ampla liberdade para formar seu personagem (o que repete mais tarde), mesmo que dentro da base estabelecida; e uma cena ao final, na qual, após muita tensão, Dr. King reflete sobre o sofrimento de um homem negro causado em parte por seu parceiro e aprendiz, percebendo o monstro que havia criado, porém não renunciando à sua filosofia de matar os “maus”, tão tarantinesca. Além disso, chama a atencão sua decisiva e surpreendente decisão de assassinar Candie (que provocou a perda de fôlego sonora de um membro da platéia na sessão na qual assisti ao filme, ouvida pela sala inteira).

Jamie Foxx estrela como o apaixonado, vingativo, dramático e pouco sorridente Django (mesmo não chegando ele a ser um Clint Eastwood, ou o próprio Franco Nero como o Django original), incorporando muito bem a indignação de um escravo mal-tratado, separado à força de sua mulher. Ele é, desde cedo, agressivo, porém com o passar do filme sente cada vez menos compaixão pelos outros, cego por seu desejo de obter a esposa de volta, unido ao treinamento de caçador de recompensas, e seu ódio contido. Leonardo Dicaprio faz seu papel de Candie também muito bem, um homem sem dúvida a ser odiado por muitos que assistirem ao filme, sem cair no maniqueísmo óbvio de várias produções americanas, sobretudo blockbusters, sendo o personagem um homem cruel para com seus escravos, com seus dentes podres, (que em uma cena pode-se ver que são encaixados sobre os comuns de Leonardo Dicaprio), e com desejos sexuais, implícitos, pela irmã  Lara Lee Candie-Fitzwilly (e ela por ele), recentemente viuvada, interpretada por Laura Cayouette (Incesto tem se tornado popular desde Game of Thrones). Ao mesmo tempo, é dotado de boas maneiras, sabendo ser agradável, possuindo ampla biblioteca em sua fazenda, e que não nutre um grande ódio por qualquer coisa em particular, a não ser talvez fazer um mal negócio. Samuel L. Jackson está positivamente caricato em sua interpretação de um negro doméstico, racista para com outros negros, considerando-se talvez uma categoria à parte, superior aos de sua etnia, reclamão, mas que realmente gosta do personagem de Leonardo Dicaprio. Franco Nero faz uma aparição como dono de negro lutador, em uma ótima passagem de “luta de Mandingos”, acabando por ter uma breve conversa com Django sobre a pronúncia do nome do ex-escravo. Kerry Washington não tem atuação notável no decorrer do filme e sua personagem não faz muitas coisas relevantes, mas é uma boa motivação à Django. A aparição surpresa do diretor foi bem pensada e muito bem-vinda, e espero que se torne mais frequente do que já acontece em seus filmes. Mesmo assim Tarantino parecia o único caubói limpo do pedaço, o que o separava um pouco do resto. Outra surpresa foi o ótimo personagem Big Daddy, que se revelou líder de um embrião da Ku Klux Klan.

A inclusão da organização, além de inteligente em razão do filme tratar tanto de racismo, reflete o filme Django original, do 1966. A cena que tira sarro da ordem, da qual Jonah Hill faz parte, além de inesperada, não estaria fora de lugar em um filme de comédia, mesmo mantendo sua ironia crítica firme, precedida por uma cena de ataque na qual toca Wagner.

Existem ecos do compositor alemão em Django livre, com a mulher do personagem principal chamando-se Broomhilda, em referência a Brunnhilde, e ele sendo chamado de “Siegfried da vida real”.

A trilha sonora como um todo é outro aspecto marcante, e característico do diretor, contendo várias músicas, e de estilos diferentes, que quase sempre funcionam extremamente bem para seus propósitos. A cena em que se toca 100 Black Coffins do rapper Rick Ross é simplesmente brillhante. Trilhas de outros westerns também foram incorporadas pela deste, como as inclusões interessantes das faixas do Django original, a música tema e La Corsa (2nd Version), presente nos melhores momentos do filme de 1966, e a música tema do pouco conhecido faroeste “Lo Chiamavo King”. Na vingança final, o Hip-Hop torna a ser usado novamente, de maneira negativamente exagerada, diminuindo a tensão da cena, parecendo algo saído da mente de um adolescente que ouve músicas do rádio e televisão, porém não é um incômodo duradouro. Também ao final, a metáfora do cavalo livre parece um pouco ridícula, mesmo apresentando imagens bonitas.

Contando com uma edição sonora muito boa, com efeitos sonoros periféricos como o tic-tac do relógio de parede fora do enquadramento e o relinchar leve de um cavalo do lado de fora da casa elevando a ambientação à um nível hiperrealista em partes. Um ótimo exemplo da edição competente é a cena de “luta de mandingos”, onde o som potencializa a dramaticidade  com os efeitos de contato entre os dois negros, as roçadas e escorregadas uns nos outros e no chão, além dos encorpados socos e as respirações ofegantes, tudo isso bastante alto em relação ao som de uma cena usual do filme, aproximando a situação ao espectador; a sonoridade ajuda também na cena do dilaceramento de D’Artagnan pelos cachorros, mesmo sem o mesmo choque e intensidade à citada anteriormente.

Os figurinos do filme também foram extremamente bem realizados, como o casaco europeu de Dr. Schultz e as extravagantes e pomposas roupas do flamboyant Django, desde seu disfarce  inicial à sua estilosa roupa usada por maior parte do filme, as chiques roupas de Candie, e as utilitárias de pedestres e escravos.

Visualmente impactantes, também, são os sets atentos a detalhes e as locações, incluindo belas cenas com neve, pouco comuns em westerns, dando um tom de originalidade, inovação e autenticidade artística ao filme.

Ainda outro aspecto visual marcante são os letreiros, bastante utilizados no filme, sejam eles explicativos, como quando vão à New Orleans, no Mississipi, onde o nome do estado passa, colossal, da direita para a esquerda sobre uma cena aérea de escravos indo e voltando, com seus donos, à feira de negros, inusitada e bem-humoradamente revelando uma visão das feiras de escravos daquele estado na época, ou crediários, como os ao início e final, emulativos aos do Django de Sergio Corbucci.

Em meio àquele sangue, comédia, e sangue engraçado, saí do filme me sentindo extremamente bem. Django é, ao meu ver, provavelmente superior à Bastardos Inglórios, até então meu filme favorito de Tarantino. Suas cinco indicações ao Oscar são justificadas. E levando em conta a experiência como um todo de assisti-lo, o considero excelente e altamente recomendado.

Tocos (vídeo)

Feliz ano novo pessoal! Coloco abaixo um vídeo time-lapse original, realizado em 60 quadros por segundo,  e links para os sites onde está disponível, mas não sei onde fazer upload com mais de trinta quadros por segundo, se alguém souber por favor dê uma força!

Vimeo

Youtube

Dailymotion