Crítica Frozen – Uma Aventura Congelante (Frozen,2013)

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Aviso: a crítica abaixo contém alguns spoilers, que estão sinalizados por [Início de spoiler(s)], ao começo, e [Fim de spoiler(s)] após. Se você não assistiu ao filme, a leitura da crítica não deve ser prejudicial, desde que não se leiam as partes com spoilers.

Frozen – Uma Aventura Congelante (Frozen, 2013), animação musical em 3D da Disney Animation, dirigida por Chris Buck e Jennifer Lee, que também escreveu o roteiro, e produzido por John Lasseter, da Pixar, e Peter del Vecho, gira em torno de duas princesas irmãs, continuando com a tradição do estúdio. A história se passa no reino de Arendelle, situado na Noruega, apesar da localização não ser explicitada. Ligeiramente baseado no conto do dinamarquês Hans Christian Andersen, “A Rainha da Neve”, dificilmente seria em outro local que não a Escandinávia.

Logo ao início, a platéia é introduzida às princesas Anna (Kristen Bell, na versão original, Érika Menezes nos diálogos da versão brasileira, e Gabi Porto nas canções) a mais jovem, e Elsa (Idina Menzel, e Taryn Szpilman em português brasileiro), a mais velha, detentora de poderes mágicos relacionados ao frio. Numa encantadora passagem, as duas, bastante jovens, acordam e brincam com as habilidades de Elsa, mas acidentalmente a irmã mais nova se machuca e, para ser curada, é levada pelos pais a trolls de pedra – que por sinal são ótimos e lembram os Smurfs, principalmente os computadorizados dos filmes recentes- , que fazem com que a garota se esqueça da magia de sua irmã, mesmo guardando o afeto que por ela sentia.

A partir daí as duas crescem isoladas do mundo e uma da outra. Seu envelhecimento é mostrado com extrema eficiência através do número musical cantado por Anna, que é sem sombra de dúvidas um dos melhores momentos do filme, haja vista não só a boa impressão imediata, mas o quão marcante se revela. É difícil não entoar a canção inadvertidamente, e prazeirosamente, após já ter assistido. Um patamar realmente difícil de alcançar.

Após algum tempo chega a hora da coroação de Elsa. Os portões são abertos, e Anna conhece Hans (Santino Fontana, e Olavo Cavalheiro no Brasil), um príncipe das Ilhas do Sul, e os dois tornam-se noivos após poucas horas. Tal notícia, recebida por Elsa pouco após ter se tornado rainha, a irrita, e, consequentemente, faz com que perca o controle de seus poderes, já difíceis de manter inócuos sem a presença de fortes emoções. A garota foge para os picos da cordilheira do reino, e o lança, sem perceber, em um eterno inverno. Anna vai ao seu resgate, deixando Hans como regente.

Ao longo da jornada ela ganha a companhia de Kristoff, um homem da Montanha do Norte (Jonathan Groth, na versão original, e Raphael Rossatto na versão brasileira), indubitavelmente nórdico, e Sven, sua rena, que por vezes se comporta como cachorro, repetindo um vício de travestir qualquer animal de canino, presente em filmes como “John Carter – Entre Dois Mundos” (John Carter, 2012). Mais tarde é apresentado Olaf, um boneco de neve falante que sonha com o verão, roubando a cena sempre que aparece, dublado na versão original por Josh Gad, e na nacional por Fábio Porchat, que surpreendentemente faz um incrível trabalho, arrancando inúmeras gargalhadas dos espectadores. Personagem que aliás assume o papel de guia até a rainha, algo como um Gollum de “O Senhor dos Anéis”, mas mais bem-apessoado e simpático.

Desde a introdução, a animação do filme já impressiona, revelando um esmero bem-vindo, sendo marcadamente superior a de “Enrolados” (Tangled, 2010), filme da mesma companhia que mais se assemelha a essa produção. Seja na iluminação e as cores vivas que ela produz na neve fofa, a maneira como ela é animada, seja sendo pisoteada por cavalos, ou grudada em roupas, ou a barba sutil de Kristoff, o vivo ruivo do cabelo de Anna, ou em quaisquer outros aspectos, ela é bela. A arquitetura e figurinos são também marcantes, e, juntamente às paisagens, evocam um tom estrangeiro e específico, fugindo do enfadonho reino encantado genérico. Já o 3D é bastante competente, na linha do que se espera de filmes desse tipo. Frozen é a prova de que, desde “Bolt- Supercão” (Bolt, 2008), o primeiro filme de animação 3D do estúdio, este progrediu muito.

É curioso o filme brandir com tanta força o estandarte de musical, gênero incomum hoje, até no cinema infantil. Mas os números musicais são, no fim, um dos melhores aspectos da produção. Dentre todas as músicas, compostas pelo casal de esposos Robert Lopes e Kristen Anderson-Lopez, nenhuma se mostra desnecessária ou exagerada, seja nas mais angustiadas, ou nas mais calorosas, como  [spoiler(s) a frente] a cômica canção de amor que Anna e seu pretendente Hans cantam, ou no ode ao verão de Olaf. [fim de spoiler(s)] Algo bastante inusual em um gênero onde é comum as músicas serem intrusivas, inesperadamente surgindo com pedestres, sem a qualquer cerimônia, de uma hora para outra, passando a dançar e cantar junto aos protagonistas, estragando o impacto da película. Com isso dito, é importante ressaltar que, ao menos na versão do Brasil, a canção de abertura possui um áudio de canto de difícil compreensão. Quando rolam os créditos, porém, é reproduzida uma das canções na língua original, e se percebe o quão mais impressionante é aquela música, assim como devem ser as outras, cantadas em inglês.

O filme, porém, não é sem suas falhas. É um tanto obcecado com o conceito do  “verdadeiro amor”, quase onipresente no cinema e na literatura infantil, por mais que acabe, felizmente, criticando alguns dos clichés que o envolvem. [spoiler(s) a frente] O final também se mostra deveras açucarado, após uma ótima passagem onde faz-se acreditar que Anna morreu, e que, ao contrário do que se esperava, o fim não seria previsível. Ao menos  a salvação da garota vem pelo ato de verdadeiro amor da irmã, ao invés de vir de seu par romântico, valorizando o amor de alguém além do pretendente, incomum numa história sobre princesas. [fim de spoiler(s)]

[spoiler(s) a frente] Há, no segundo ato, a traição de Hans. Ele revela que seduziu Anna para conseguir o reino, e estaria disposto a matar sua irmã para consegui-lo. A traição e exploração aristocrática são um conceitos interessantes a ser introduzidos numa história para crianças, porém nesse caso foi forçada. Hans, de uma personagem interessante, diminui-se quase totalmente ao prosaico vilão maldoso. Ele, como regente, abriu os portões do castelo para oferecer abrigo e comida aos habitantes, contrariando a vontade do maior parceiro comercial do reino, o ótimo e engraçado vilão Duque de Weselton (Alan Tudyk no original), um ato perigoso politicamente. Também foi prestativamente atrás das princesa e da rainha na nevasca, quando as duas corriam perigo, mesmo levando em conta que se não tivesse ido, herdaria o reino de qualquer maneira, ou que poderia ter deixado Elsa morrer quando durante o resgate, foi atacada por homens da comitiva, agora parecia contrariar essas ações.[fim de spoiler(s)]

Pelo menos a conclusão,  [spoiler(s) a frente] passada no verão, com Olaf ganhando uma nevasca particular sobre sua cabeça para sobreviver, com Kristoff e Anna como um recém-formado casal, ao invés de casados e “felizes para sempre”, Elsa como rainha solteira, e com o exílio de Hans e do Duque de Weselton, [fim de spoiler(s)] fecha com chave de ouro uma das melhores animações dos últimos anos.

Por Eduardo Henrique G. S. Martins

Crítica Gravidade (Gravity, 2013)

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Aviso: a crítica abaixo contém alguns spoilers, que estão sinalizados por [Início de spoiler(s)], ao começo, e [Fim de spoiler(s)] após. Se você não assistiu ao filme, a leitura da crítica não deve ser prejudicial, desde que não se leiam as partes com spoilers.

Gravidade (Gravity, 2013), dirigido, co-editado, e produzido pelo mexicano Alfonso Cuarón, e escrito por ele e seu irmão, Jonás Cuarón, é um filme inesperado. O diretor, já famoso em Hollywood graças a “Filhos da Esperança” (Children of Men, 2006), e, principalmente, “Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban” (Harry Potter And The Prisoner of Azkaban, 2004), fez um filme espacial com fortíssima influência de “2001: Uma Odisséia no Espaço” (2001: A Space Odyssey, 1968), de Stanley Kubrick. A premissa minimalista é incomum às super produções americanas: um pequeno grupo de astronautas fica preso no espaço, após um acidente. Logo, porém, é compreendida a decisão por parte da Warner Brothers de financiar o filme: apesar de possuir características raras a esse tipo de produção, como o forte drama humano, certos clichés condescendentes também estão presentes.

A trilha sonora, que por vezes aumenta a tensão substancialmente, lembrando algumas cenas de “Batman, o Cavaleiro das Trevas”, em vários momentos coloca o filme em posição ridícula, o melodramatizando e imprimindo aquela aura épica furada tão presente em filmes com o orçamento parecido.

Algo que também incomoda é a falta de audácia em criar períodos silenciosos longos, como aqueles que são alguns dos melhores momentos de 2001.

Os diálogos, por sua vez, são geralmente muito inspirados, porém tornam-se ruídos indesejados em certas situações que ficariam melhor sem fala alguma.

As piadas e as músicas ouvidas pelo capitão da missão, Matthew Kowalski (George Clooney), seguem uma linha parecida, adicionando um humor irreverente, mas tornando-se cansativas por serem demasiadamente calculadas, espelhando a prática de filmes como os três “Homem de Ferro”, e de “Os Vingadores” de subestimar a platéia com piadas infantis inseridas somente para agradar ao público geral, acostumado com o “entertainment” e sua falta de desafio.

Todos esses elementos sonoros, tantos os positivos quanto os negativos, são unidos em uma edição de som impecável, um dos fatores mais importantes para a intensa imersão proporcionada pelo filme.

Imersão, aliás, profunda desde o início, onde o título é acompanhado por sons inicialmente quase inaudíveis, indo até grandes alturas, seguido pelo silêncio sepulcral do espaço, e a bela visão, em uma composição virtuosa, dos astronautas flutuando acima da Terra, logo iniciando sua conversa. Tal artifício grita pela atenção dos espectadores, criando uma bela introdução.

Os efeitos especiais são impressionantes. Mesmo que não 100% fotorrealistas, possuem um charme característico, desde a iluminação até os movimentos animados dos astronautas, um tanto dançantes. Em certos pontos ficam artificiais da forma que somente cgi (imagem(ns) gerada(s) por computador) consegue ser, porém esses momentos são raros e perdoáveis, diante do visual alcançado pelo conjunto da obra.

O 3D é, sem sombra de dúvida, um dos melhores em qualquer filme.  Tudo ganha volumetria concreta. As estações, os capacetes redondos e, especialmente, [Início de spoiler(s)] o curto final na terra, [Fim de spoiler(s)], impressionam  em três dimensões.

O elenco é outro aspecto que foi provavelmente decisivo para o sinal verde da Warner: conta com as estrelas George Clooney e Sandra Bullock. Esta um tanto rejuvenescida e com um par medidas aumentadas pelos efeitos do filme. Não me entenda mal, os dois desempenham atuações muito boas, porém acharia difícil o filme ter sido feito com dois desconhecidos nos mesmos papeis.

A interação dos dois é realista, e por isso mesmo marcante. Um ponto que talvez divida opiniões é a cena em que [Início de spoiler(s)] Kowalski reaparece após um longo tempo fora de vista, mas é revelado ser um fruto da imaginação da Dr.Ryan Stone (Bullock). A achei bem interessante, por mais que a revelação seja um pouco tosca. [Fim de spoiler(s)]

Os figurinos são ótimos, em especial a roupa recuperada pela Dr.Stone na estação russa, mostrando um traje mais artesanal do que os que haviam aparecido até então.

O desenvolvimento da personagem Ryan Stone, [Início de spoiler(s)] centrado na sua superação do trauma pela morte de sua filha, gera bons momentos, como aquele em que, exausta, flutua em posição fetal dentro da estação russa, ou aquele em que conversa pelo rádio com um homem na superfície, cada um em sua língua, e acabam latindo um para o outro, além do final inspirador em uma praia, mostrando a superfície na medida certa [Fim de spoiler(s)], mas é exagerado.

Por fim, Gravity possui seus defeitos, mas em uma duração envigorante de uma hora em meia, é um dos filmes mais originais dos últimos tempos, e uma realização visual impressionante.

Por Eduardo Henrique G. S. Martins

Warning: the review below contains some spoilers, which are signaled by [beginning of spoiler/s], at their beginning, and [end of spoiler/s] afterwards. If you have not watched the film, the reading of this review should not be harmful, as long as the parts containing spoilers are not read.

Gravity (2013), written, co-edited, and produced by the mexican Alfonso Cuarón, and written by his brother, Jonás Cuarón, is an unexpected film. The director, already famous in Hollywood thanks to “Children of Men”(2006), and, mostly, “Harry Potter And The Prisoner of Azkaban”(2004), has made a space film very strongly influenced by “2001: A Space Odyssey” (1968), by Stanley Kubrick. The minimalist premise is uncommon to american super productions: a small group of astronauts gets stuck in space, after an accident. Soon, however, the decision made by Warner Brothers to finance the film is understood: though having characteristics which are rare to this kind of production, like the deep human drama, certain condescending clichés are also present.

The sound track, which at times augments the tension substantially, resembling some scenes from “The Dark Knight”(2008), in various moments puts the film in a ridiculous position, melodramatizing it and imprinting that fake epic aura so present in films with a resembling budget.

Something that also bothers is the lack of audacity in creating long silent periods, like the ones which are some of the best moments of 2001.

The dialogues, in their respect, are usually very inspired, although becoming unwanted droning in certain situations which would fare better without any spoken line.

The jokes told and music listened to by the mission captain, Matthew Kowalski (George Clooney), follow a similar line, adding an irreverent humor, but becoming tiresome by being overly calculated, mirroring the practice of films such as the three “Iron Man” (2008, 2010, 2013), and of “The Avengers” (2012) of underestimating the audience with childish gags inserted merely to please the general public, used to “entertainment” and its lack of challenge.

All of these sound constituents, both the positive as the negative, are unified in an impeccable sound editing, one of the most important factors for the intense immersion proportioned by the film.

immersion, by the way, deep from the beginning, where the titled is accompanied by sounds almost inaudible initially, going up to great heights, followed by the sepulchral silence of space, and the sightly view, in a virtuous composition, of the astronauts floating above the Earth, soon initiating their conversation. Such artifice shouts for the attention of the spectators, creating a beautiful introduction.

The effects are impressive. Even if not 100% photorealistic, they pertain a characteristic charm, from the lighting, to the animated movements of the astronauts, somewhat dancy. In certain points they get artificial in the way only CGI (Computer Generated Graphics) can be, however these moments are rare and forgivable, against the visuals reached by the body of the work.

The 3D, without the shadow of a doubt, is one of the best in any film. Everything gains concrete volumetry. The stations, the round helmets, and, specially, [Spoiler(s) ahead] the short ending on Earth, [End of Spoiler(s)], impress in three dimensions. The cast is another aspect which was probably decisive for Warner’s green-light: counting with stars George Clooney and Sandra Bullock. The latter somewhat rejuvenated and with a pair of measures increased by the effects of the film. Do not get me wrong, both perform very well, but I’d find it hard for the movie to have been made with two unknowns playing the same roles.

The interaction of the two is realistic, and because of it, marking. An aspect which might diverge opinions is the scene in which [spoiler(s) ahead] Kowalski reappears after a long time out of view, but is revealed to be a fruit of the imagination of Dr.Ryan Stone (Bullock). I found it interesting, even if the revelation is a bit opaque. [end of spoiler(s)]

The outfits are great, specially the spacesuit recuperated by Dr.Stone in the russian station, showing a more artisanal suit than the ones which had appeared up to that point.

The development of the character of Ryan Stone [spoiler(s) ahead] centered in the overcoming of the trauma of her daughter’s death, generates good moments, like the one in which, exhausted, she floats in fetal position inside the russian station, or the one in which she talks to a man from the surface through the radio, each in their own language, and they end up barking at each other, besides the inspiring ending on a beach, showing the right amount of the surface [end of spoiler(s)], but is exaggerated.

Lastly, Gravity has its flaws, bit with an invigorating duration of an hour and a half, is one of the most original films of late, and is an impressive visual realization.

By Eduardo Henrique G. S. Martins

Dragão Vermelho (Red Dragon, 2002), Crítica/Review

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Primeiro a crítica em português, após, sua tradução para o inglês.

First the review in Portuguese, after, its translation to English.

Aviso: a crítica abaixo contém alguns spoilers, que estão sinalizados por [Início de spoiler(s)], ao começo, e [Fim de spoiler(s)] após. Se você não assistiu ao filme, a leitura da crítica não deve ser prejudicial, desde que não se leiam as partes com spoilers.

O filme Dragão Vermelho (Red Dragon, 2002), dirigido por Brett Ratner e contando com roteiro escrito por Ted Tally, o mesmo roteirista do filme “O Silêncio dos Inocentes”, é baseado no livro de Thomas Harris, e narra o “primeiro capítulo da trilogia Hannibal Lecter”, como anunciam seus cartazes. O filme é um prelúdio aos dois lançados anteriormente, “O Silêncio dos Inocentes” e “Hannibal”. Porém o livro no qual se baseia foi realmente o primeiro escrito e lançado da série do canibal. Esta é a segunda adaptação cinematográfica do romance. A primeira, chamada “Manhunter”, dirigida e escrita por Michael Mann, foi lançada em 1986.

O elenco é impressionante, contando com o novamente impecável Anthony Hopkins e outros famosos como Edward Norton, interpretando Will Graham, agente do FBI, Phillip Seymour Hoffman, como Freddy Lounds, repórter de tablóide, sarcástico, como de praxe são os papéis do ator, e Ralph Fiennes [início de spoiler/s], que excelentemente faz o serial killer da vez. [fim de spoiler/s]

O filme se inicia na década de oitenta, com um Lecter ajudante no FBI, mais especificamente conselheiro de Graham na sua busca por assassinos seriais. Will vai à casa do doutor contar sua teoria de que o matador que buscavam comia partes de suas vítimas, não as colecionava, como acreditavam. No decorrer da conversa Will percebe que Lecter, na verdade, era o procurado. Tenta disfarçar, mas deixa transparecer, e é atacado pelo psicanalista. Os dois se ferem. Dali se segue uma sequência com jornais explicando o que aconteceu após o incidente. Todo esse início é maravilhoso.

O filme, então, pula vários anos e vai para um Will traumatizado, que retorna a ativa para prender um novo serial killer. Logo, mesmo com medo, pede ajuda a Lecter. Daí para frente a trama se desenvolve.

Assim como no filme cujos acontecimentos sucedem este, o assassino é mostrado, mesmo enquanto o FBI não sabe quem ele é. Isso tira um pouco do mistério neste caso, porém abre espaço para o muito interessante desenvolvimento psicológico de um indivíduo como Francis Dolarhyde, ou “Tooth Fairy”, como é chamado pela imprensa o matador serial.

Hannibal não vê problema algum em assassinar pessoas, para comê-las ou utilizá-las para algum outro fim que aprove, assim como não vê problema algum em fazer isto com animais. Lecter é, aqui, muito mais feroz que em “O Silêncio dos Inocentes”, e desenvolve um relacionamento que sugere ressentimento com Will Graham, desejo de vingança, assim como afeição. Em relação a Clarice, personagem do filme seguinte segundo a cronologia das histórias, o psicanalista nutre um carinho muito grande. Ele parece mais velho também do que no primeiro filme, cujos acontecimentos são posteriores a essa história, a não ser no excelente prólogo passado nos anos oitenta. Ele é retratado mais como louco, que sente muito prazer em seus assassinatos, enquanto no primeiro filme é algo mais como um homem extremamente inteligente com filosofias diferentes, consideradas cruéis por aqueles em sua volta.

A trilha do filme é marcante, com violinos e violoncelos. Ela é influenciada claramente por música erudita, o que casa bem com o refinamento de Lecter. É uma dimensão que emeritamente imerge o espectador.

A produção é parecida em muitos aspectos àquela que a segue, na cronologia da série, intermitindo a investigação e cenas mostrando a história do serial killer procurado pelo FBI, deixando um certo gosto amargo na boca após ser assistida. Até a casa de “Tooth Fairy” é parecida com a de “Buffalo Bill”, apelido de imprensa do matador de “O Silêncio dos Inocentes”. Mas ele ultrapassa sem sombra de dúvidas o semblante de um filme redundante, apresentando novas idéias e várias surpresas, além de não fugir de cenas chocantes e apresentar personagens complexos e bem pensados. Este, porém, não é tão “redondo” quanto o primeiro, aparentemente se contentando com deixar de fora aspectos muito interessantes e importantes do livro em qual foi baseado, como uma análise mais completa dos personagens, em especial o interpretado por Fiennes, além de aspectos práticos, [início de spoiler/s] como a forma que Hannibal recebia as cartas de “Tooth Fairy”, e como suas cartas chegavam ao jornal. [início de spoiler/s]

A iluminação do filme é algo que também o diferencia, mostrando diversas vezes rostos iluminados pelas laterais. Ela faz grande trabalho na construção de atmosfera, assim como a música.

Cuidados foram tomados para a integração graciosa de Dragão Vermelho com “O Silêncio dos Inocentes”, não me sendo possível compará-lo com “Hannibal”,  pois não o assisti. Para este fim, o filme conta com cenários e exteriores, que, se não os mesmos, são réplicas, com a contratação do mesmo ator para interpretar o diretor da prisão onde Hannibal estava detento, e o roteiro, escrito pelo mesmo roteirista. O filme termina com uma cena do primeiro, onde é citada Clarice Starling, o que dá uma idéia de continuidade bem-vinda.

Por Eduardo Henrique Martins

Warning: the review below contains some spoilers, which are signaled by [beginning of spoiler/s], at their beginning, and [end of spoiler/s] afterwards. If you have not watched the film, the reading of this review should not be harmful, as long as the parts containing spoilers are not read.

The film Red Dragon (2002), directed by Brett Ratner and written by Ted Tally, the same scripwriter of the film “The Silence of the Lambs”, is based on the book by Thomas Harris, and narrates the “first chapter of the Hannibal Lecter trilogy”, as its posters announce. The film is a prequel to the two released previously, “The Silence of the Lambs” and “Hannibal”. However, the book in which it is based was truly the first written and released in the series of the cannibal. This is the second cinematographic adaptation of the novel. The first, directed and written by Michael Mann, was released in 1986.

The cast is impressive, counting with the again impeccable Anthony Hopkins and other famous actors such as Edward Norton, interpreting Will Graham, FBI agent, Phillip Seymour Hoffman, as Freddy Lounds, tabloid reporter, sarcastic, as usually are the roles played by the actor, and Ralph Fiennes [beginning of spoiler/s], who plays, with excellency, the serial killer this time around. [end of spoiler’s]

The film begins in the eighties, with Lecter as a helper to the FBI, more specifically as counselor to Graham in his search of serial killers. Will goes to the Doctor’s house to tell his theory that the killer they were searching for ate parts of his victims, not collected them, as they had believed. During the conversation Will perceives that Lecter, in truth, was the wanted man. He tries to conceal the knowledge, but makes it transparent, and is attacked by the psychoanalyst. Both are injured. Then follows a sequence of news papers explaining what happened after the incident. This whole beginnig is marvellous.

The film, then, jumps ahead many years and goes to a traumatized Will, who resumes activity as a criminal investigator for the FBI to catch a new serial killer. Soon, even freightened, he asks Lecter for help. From then on the plot develops.

Such as the film which its events follow this one, the murderer is shown, even when the FBI does not know who he is. This takes some mystery off, in this case, however opens room for the very interesting psychological development of an individual such as Francis Dolarhyde, or “Tooth Fairy”, the way the press calls the serial killer.

Hannibal sees no problem in assassinating people, to eat them or use them for some other end he approves, just as he sees no problem in doing such to animals. Lecter is, here, much more vicious than in “The Silence of the Lambs”, and develops a relationship which sujests resentment with Will Graham, desire for vengeance, as well as affection. Relating to Clarice, character of the next film according to the chronology of the stories, the psychoanalyst nurses a great caring. He seems older also than in the first film, which contains events that are posterior to this story, except for the excelent prologue in the eighties. He is portraid more as a madman, who feels great pleasure in his assassinations, while in the first film he is more of an extremely intelligent man with different philosophies, considered cruel by those around him.

The soundtrack is remarkable, with violins and cellos. It is clearly influenced by erudite music, what goes well with Lecter’s refinement. It is a dimention which emeritly imerses the spectator.

The production is in many aspects similar to the one that follows it, in the series’ chronology, intermitting the investigation with scenes showing the story of the serial killer hunted by the FBI, leaving a certain bad taste in the mouth after being watched. Even “Tooth Fairy”’s house is similar to “Buffalo Bill”’s, press nickname of the murderer from “The Silence of the Lambs”. But it surpasses without the shadow of a doubt the countenance of a redundant film, presenting new ideas and surprises, besides not running from shocking scenes and presenting complex and well thoughtout characters, This one, however, is not as “round” as the first, apparently content with leaving out very interesting and important aspects of the book in which it was based, like a more complete analysis of the characters, especially the one interpreted by Fiennes, [beginning of spoiler/s] besides practical aspects, such as the way Hannibal received letters from “Tooth Fairy”, and how his letters got to the newspaper. [end of spoiler/s]

The film’s lighting  is something that also differentiates it, showing multiple times faces lit by the sides. It does great work in the construction of atmosphere, as does the music.

Cares were taken for the graceful integration of Red Dragon with “The Silence of the Lambs”, it being impossible to me to compare it to “Hannibal”, for I have not watched it. For this end, the film counts with scenary and exterior, that, if not the same, are replicas, with the hiring  of the same actor to play the warden of the prison where Hannibal was detained, and the script, written by the same scripwriter. The film ends with a scene from the first one, where Clarice Starling is mentioned, what gives the idea of a welcome continuity.

By Eduardo Henrique Martins

O Vôo (Flight, 2012), Crítica

Aviso: a crítica abaixo contém alguns spoilers, que estão sinalizados por [Início de spoiler(s)], ao começo, e [Fim de spoiler(s)] após. Se você não assistiu ao filme, a leitura da crítica não deve ser prejudicial, desde que não se leiam as partes com spoilers.

O Vôo (Flight, 2012) foi dirigido pelo veterano Robert Zemeckis, que não dirigia um live-action (filme com atores mostrados, diferente de uma animação) desde 2000 com Náufrago (Cast Away), e escrito por John Gatins. A produção conta a história de Whip Whitaker, piloto de aviões, que, após uma aterrissagem de emergência impressionante, enfrenta acusações de estar sob efeito de substâncias tóxicas durante o vôo.

As atuações são em geral boas, sem nenhuma forçada. Don Cheadle se prova cameleônico, ao menos para mim, interpretando Hugh Lang, um advogado calmo e confiante, extremamente polido, que afirma que seus clientes não vão para a cadeia. Denzel Washington não se distancia de seu pão com manteiga, porém o faz competentemente, criando um alcoólico cocainômano eventual, garanhão, engraçado, mas também sério, e altamente frustrado pelo distanciamento de sua família. John Goodman está novamente muito engraçado, no papel de Harling Mays, companheiro de Whip. [Início de spoilers] Porém, após ser introduzido, desaparece pela maior parte do filme, para reaparecer felizmente ao final, com uma participação infelizmente pequena. [Fim de spoilers] Seu relacionamento com o Capt. Whip poderia ter sido melhor explorado, já que Mays é o único verdadeiro amigo do piloto, o que fica implícito, e também seu fornecedor e parceiro no consumo de cocaína. Kelly Reilly faz excelentemente Nicole, uma doce e bela ruiva sulina, órfã viciada em heroína.

Aliás, um dos aspectos mais marcantes do filme é a inicial separação das histórias de Nicole e Whitaker, as quais aparentemente são dois filmes diferentes editados juntos, o que causa um certo desconforto. A divisão mesma me fazia procurar, enquanto eram projetadas, alguma relação entre as histórias paralelas. Por fim percebi que os realizadores provavelmente brincavam comigo, me conduzindo a fazer o que queriam, como um adulto que engana uma criança, imaginei-os se contorcendo e dando risadas, e achei uma ótima forma de fazer o filme, bastante não usual e vanguardista, até, contrapondo a natureza conservadora mais tarde revelada.

A trilha sonora é composta por músicas amplamente conhecidas, e boas  na minha opinião, que adicionam mais um elemento cômico à produção que a beneficia, com a exceção da faixa da banda americana Pearl Jam. Além destas, composições originais estão lá, mesmo que por vezes desnecessárias, adicionando melodramatismo cansativo, e por outras servem para engrandecer o filme positivamente, [Início de spoilers] como na cena em que Whip encontra o frigobar cheio de bebibas alcoólicas e pondera consumi-las. [Fim de spoilers] De qualquer maneira, falta inspiração e criatividade à essas originais.

Ao decorrer do filme, o foco vai de vez em quando, e gradativamente com maior frequência, para religiosidade (cristã, para ser mais específico), o que inicialmente parece uma crítica coerente, porém com o passar do tempo se revela propaganda religiosa pedante. [Início de spoilers] Respeito o que faz o protagonista ao final, porém é mostrado como uma salvação, por aceitar deus, ou uma aceitação de deus pela iluminação trazida pela salvação. [fim de spoilers] Esse aspecto machuca deveras a produção e faz com que este filme não seja ótimo, ao meu ver. Outra forma de propaganda que incomoda são as marcas inseridas a qualquer momento, tornando o filme um comercial de relógios, bebidas, e outras coisas em momentos.

Eduardo Henrique Martins

Django Livre (Django Unchained, 2012), Crítica

Quando comecei este blog não pensei que publicaria críticas aqui, somente desenhos, pinturas, vídeos, esse tipo de coisa. Quando me foi sugerido escrever a crítica deste filme, e colocá-la aqui, pensei que fosse uma ótima idéia, mesmo sendo uma coisa a respeito da qual não tinha pensado. Então, com prazer, exponho a crítica que escrevi sobre o filme Django Livre:

Aviso: A crítica é destinada a quem já assistiu ao filme, contendo ela spoilers (informações que devem ser descobertas ao assistir ao filme, no caso). Leia por sua conta e risco.

Django Livre (Django Unchained, 2012), um western sulista que se passa dois anos antes da Guerra Civil Americana, é o primeiro western de Quentin Tarantino, gênero que claramente muito o influenciou ao longo de sua vida. Estrelando Jamie Foxx como o personagem-título, Christoph Waltz (Coronel Hanz Landa de Bastardos Inglórios, filme anterior do diretor), como o caçador de recompensas alemão Dr.King Schultz, Leonardo DiCaprio como o dono de grande plantation Calvin Candie (ou Monsieur Candie, como prefere ser chamado), Samuel L. Jackson, como Stephen, escravo de Candie, e Kerry Washington como Broomhilda Von Shaft, apelidada de Hildi, também escrava de Candie e mulher de Django. A obra retrata indubitavelmente o estilo Tarantino, lembrando, assim, um romance (não confundir com história de amor) e apresentando os exageros cômicos e idiossincrasias características, salvo a divisão em capítulos. Além disso, o novo maneirismo coerente que é o uso do superzoom repentino, e a continuidade da onda de poliglotismo do diretor, com relances de outras línguas que não o inglês, o que não é usual para uma produção americana (e que vejo como positivo). Aliás, é o filme mais engraçado do diretor, não só pela escatologia da violência, (o sangue está por toda parte neste filme, espalhando-se em explosões causadas por tiros de revólveres e outras armas), mas pelas situações e frases de efeito, como “They’re wipping Little Jody?” ( ou, “Estão chicoteando a Pequena Jody?”, em português), ao mesmo tempo apresentando muitas cenas de violência bruta e dramaticamente impactante, o que também está presente no Django original, filme que serviu de inspiração para esta nova produção.

O filme não é a ampla revisão histórica de Bastardos Inglórios, mas conta uma improvável odisséia de revolta contra os brancos nos Estados Unidos que não ocorreu, similar ao que os Bastardos fizeram aos nazistas. Ele se inicia engraçado e comparativamente leve; torna-se mais denso à medida que avança, mostrando realidades duras e tornando-se “um filme de adultos”, quando é aparente algo como uma pausa para falar de assuntos sérios, mas assuntos sérios extremamente estimulantes com piadas e excelentes frases de efeito inseridas no meio; por fim se dá às ótimas loucuras de Tarantino, acabando triunfalmente e comicamente em uma vingança sangrenta bem-sucedida, com Django, vestido com roupas requintadas de Calvin Candie, e Broomhilda, reunidos. Como é de se esperar, a história não é linear integralmente, utiliza-se de flashbacks inteligentes mas não extensivos como em Kill Bill, no qual chega a dividir o filme em passado e presente.

Outra aspecto inusual é a utilização do termo “nigger”  de forma tão extensiva e espontânea, de tal maneira que foi dita muito mais vezes do que em qualquer outro filme que eu já tenha assistido, e que representa uma ótima caracterização histórica, além de gerar inúmeras piadas. As críticas que definem o filme como racista, contudo são más interpretações do material, pois é exatamente o contrário. Cenas de violência seca mostram ao espectador os mal-tratos enfrentados por escravos e a mentalidade do que era aceitável na época e no local, assim como reflexões sobre a prática da caça de recompensas, muito por ela se fazer tão presente e tão sincera, mesmo com o mirabolante Dr.King Schultz a realizando ao lado de Django. Tarantino quis mostrar sem meias palavras as crueldades da escravatura nos estados sulinos dos Estados Unidos.

Dr. King Schultz, aliás, é um personagem muito interessante, contrastando sua teoria igualitária ao racismo dos outros personagens brancos. Christoph Waltz tem uma interpretação parecida em muitos aspectos com a sua do Coronel Landa, com a inclusão de um trejeito de pentear e em seguida enrolar as pontas de seu bigode, e um pouco menos psicopatia que seu personagem do filme anterior. Existem várias cenas em que ele toma posição central, como a dentro do saloon vazio, quando fala com Django enquanto serve cerveja e tira o excesso de espuma com o palito, parecido com os closes de comida de bastardos inglórios; outra onde pode ser sentido um provável eco da forma de Tarantino dirigir quando ele pede a Django para escolher suas roupas e lhe concede ampla liberdade para formar seu personagem (o que repete mais tarde), mesmo que dentro da base estabelecida; e uma cena ao final, na qual, após muita tensão, Dr. King reflete sobre o sofrimento de um homem negro causado em parte por seu parceiro e aprendiz, percebendo o monstro que havia criado, porém não renunciando à sua filosofia de matar os “maus”, tão tarantinesca. Além disso, chama a atencão sua decisiva e surpreendente decisão de assassinar Candie (que provocou a perda de fôlego sonora de um membro da platéia na sessão na qual assisti ao filme, ouvida pela sala inteira).

Jamie Foxx estrela como o apaixonado, vingativo, dramático e pouco sorridente Django (mesmo não chegando ele a ser um Clint Eastwood, ou o próprio Franco Nero como o Django original), incorporando muito bem a indignação de um escravo mal-tratado, separado à força de sua mulher. Ele é, desde cedo, agressivo, porém com o passar do filme sente cada vez menos compaixão pelos outros, cego por seu desejo de obter a esposa de volta, unido ao treinamento de caçador de recompensas, e seu ódio contido. Leonardo Dicaprio faz seu papel de Candie também muito bem, um homem sem dúvida a ser odiado por muitos que assistirem ao filme, sem cair no maniqueísmo óbvio de várias produções americanas, sobretudo blockbusters, sendo o personagem um homem cruel para com seus escravos, com seus dentes podres, (que em uma cena pode-se ver que são encaixados sobre os comuns de Leonardo Dicaprio), e com desejos sexuais, implícitos, pela irmã  Lara Lee Candie-Fitzwilly (e ela por ele), recentemente viuvada, interpretada por Laura Cayouette (Incesto tem se tornado popular desde Game of Thrones). Ao mesmo tempo, é dotado de boas maneiras, sabendo ser agradável, possuindo ampla biblioteca em sua fazenda, e que não nutre um grande ódio por qualquer coisa em particular, a não ser talvez fazer um mal negócio. Samuel L. Jackson está positivamente caricato em sua interpretação de um negro doméstico, racista para com outros negros, considerando-se talvez uma categoria à parte, superior aos de sua etnia, reclamão, mas que realmente gosta do personagem de Leonardo Dicaprio. Franco Nero faz uma aparição como dono de negro lutador, em uma ótima passagem de “luta de Mandingos”, acabando por ter uma breve conversa com Django sobre a pronúncia do nome do ex-escravo. Kerry Washington não tem atuação notável no decorrer do filme e sua personagem não faz muitas coisas relevantes, mas é uma boa motivação à Django. A aparição surpresa do diretor foi bem pensada e muito bem-vinda, e espero que se torne mais frequente do que já acontece em seus filmes. Mesmo assim Tarantino parecia o único caubói limpo do pedaço, o que o separava um pouco do resto. Outra surpresa foi o ótimo personagem Big Daddy, que se revelou líder de um embrião da Ku Klux Klan.

A inclusão da organização, além de inteligente em razão do filme tratar tanto de racismo, reflete o filme Django original, do 1966. A cena que tira sarro da ordem, da qual Jonah Hill faz parte, além de inesperada, não estaria fora de lugar em um filme de comédia, mesmo mantendo sua ironia crítica firme, precedida por uma cena de ataque na qual toca Wagner.

Existem ecos do compositor alemão em Django livre, com a mulher do personagem principal chamando-se Broomhilda, em referência a Brunnhilde, e ele sendo chamado de “Siegfried da vida real”.

A trilha sonora como um todo é outro aspecto marcante, e característico do diretor, contendo várias músicas, e de estilos diferentes, que quase sempre funcionam extremamente bem para seus propósitos. A cena em que se toca 100 Black Coffins do rapper Rick Ross é simplesmente brillhante. Trilhas de outros westerns também foram incorporadas pela deste, como as inclusões interessantes das faixas do Django original, a música tema e La Corsa (2nd Version), presente nos melhores momentos do filme de 1966, e a música tema do pouco conhecido faroeste “Lo Chiamavo King”. Na vingança final, o Hip-Hop torna a ser usado novamente, de maneira negativamente exagerada, diminuindo a tensão da cena, parecendo algo saído da mente de um adolescente que ouve músicas do rádio e televisão, porém não é um incômodo duradouro. Também ao final, a metáfora do cavalo livre parece um pouco ridícula, mesmo apresentando imagens bonitas.

Contando com uma edição sonora muito boa, com efeitos sonoros periféricos como o tic-tac do relógio de parede fora do enquadramento e o relinchar leve de um cavalo do lado de fora da casa elevando a ambientação à um nível hiperrealista em partes. Um ótimo exemplo da edição competente é a cena de “luta de mandingos”, onde o som potencializa a dramaticidade  com os efeitos de contato entre os dois negros, as roçadas e escorregadas uns nos outros e no chão, além dos encorpados socos e as respirações ofegantes, tudo isso bastante alto em relação ao som de uma cena usual do filme, aproximando a situação ao espectador; a sonoridade ajuda também na cena do dilaceramento de D’Artagnan pelos cachorros, mesmo sem o mesmo choque e intensidade à citada anteriormente.

Os figurinos do filme também foram extremamente bem realizados, como o casaco europeu de Dr. Schultz e as extravagantes e pomposas roupas do flamboyant Django, desde seu disfarce  inicial à sua estilosa roupa usada por maior parte do filme, as chiques roupas de Candie, e as utilitárias de pedestres e escravos.

Visualmente impactantes, também, são os sets atentos a detalhes e as locações, incluindo belas cenas com neve, pouco comuns em westerns, dando um tom de originalidade, inovação e autenticidade artística ao filme.

Ainda outro aspecto visual marcante são os letreiros, bastante utilizados no filme, sejam eles explicativos, como quando vão à New Orleans, no Mississipi, onde o nome do estado passa, colossal, da direita para a esquerda sobre uma cena aérea de escravos indo e voltando, com seus donos, à feira de negros, inusitada e bem-humoradamente revelando uma visão das feiras de escravos daquele estado na época, ou crediários, como os ao início e final, emulativos aos do Django de Sergio Corbucci.

Em meio àquele sangue, comédia, e sangue engraçado, saí do filme me sentindo extremamente bem. Django é, ao meu ver, provavelmente superior à Bastardos Inglórios, até então meu filme favorito de Tarantino. Suas cinco indicações ao Oscar são justificadas. E levando em conta a experiência como um todo de assisti-lo, o considero excelente e altamente recomendado.