Crítica Frozen – Uma Aventura Congelante (Frozen,2013)

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Aviso: a crítica abaixo contém alguns spoilers, que estão sinalizados por [Início de spoiler(s)], ao começo, e [Fim de spoiler(s)] após. Se você não assistiu ao filme, a leitura da crítica não deve ser prejudicial, desde que não se leiam as partes com spoilers.

Frozen – Uma Aventura Congelante (Frozen, 2013), animação musical em 3D da Disney Animation, dirigida por Chris Buck e Jennifer Lee, que também escreveu o roteiro, e produzido por John Lasseter, da Pixar, e Peter del Vecho, gira em torno de duas princesas irmãs, continuando com a tradição do estúdio. A história se passa no reino de Arendelle, situado na Noruega, apesar da localização não ser explicitada. Ligeiramente baseado no conto do dinamarquês Hans Christian Andersen, “A Rainha da Neve”, dificilmente seria em outro local que não a Escandinávia.

Logo ao início, a platéia é introduzida às princesas Anna (Kristen Bell, na versão original, Érika Menezes nos diálogos da versão brasileira, e Gabi Porto nas canções) a mais jovem, e Elsa (Idina Menzel, e Taryn Szpilman em português brasileiro), a mais velha, detentora de poderes mágicos relacionados ao frio. Numa encantadora passagem, as duas, bastante jovens, acordam e brincam com as habilidades de Elsa, mas acidentalmente a irmã mais nova se machuca e, para ser curada, é levada pelos pais a trolls de pedra – que por sinal são ótimos e lembram os Smurfs, principalmente os computadorizados dos filmes recentes- , que fazem com que a garota se esqueça da magia de sua irmã, mesmo guardando o afeto que por ela sentia.

A partir daí as duas crescem isoladas do mundo e uma da outra. Seu envelhecimento é mostrado com extrema eficiência através do número musical cantado por Anna, que é sem sombra de dúvidas um dos melhores momentos do filme, haja vista não só a boa impressão imediata, mas o quão marcante se revela. É difícil não entoar a canção inadvertidamente, e prazeirosamente, após já ter assistido. Um patamar realmente difícil de alcançar.

Após algum tempo chega a hora da coroação de Elsa. Os portões são abertos, e Anna conhece Hans (Santino Fontana, e Olavo Cavalheiro no Brasil), um príncipe das Ilhas do Sul, e os dois tornam-se noivos após poucas horas. Tal notícia, recebida por Elsa pouco após ter se tornado rainha, a irrita, e, consequentemente, faz com que perca o controle de seus poderes, já difíceis de manter inócuos sem a presença de fortes emoções. A garota foge para os picos da cordilheira do reino, e o lança, sem perceber, em um eterno inverno. Anna vai ao seu resgate, deixando Hans como regente.

Ao longo da jornada ela ganha a companhia de Kristoff, um homem da Montanha do Norte (Jonathan Groth, na versão original, e Raphael Rossatto na versão brasileira), indubitavelmente nórdico, e Sven, sua rena, que por vezes se comporta como cachorro, repetindo um vício de travestir qualquer animal de canino, presente em filmes como “John Carter – Entre Dois Mundos” (John Carter, 2012). Mais tarde é apresentado Olaf, um boneco de neve falante que sonha com o verão, roubando a cena sempre que aparece, dublado na versão original por Josh Gad, e na nacional por Fábio Porchat, que surpreendentemente faz um incrível trabalho, arrancando inúmeras gargalhadas dos espectadores. Personagem que aliás assume o papel de guia até a rainha, algo como um Gollum de “O Senhor dos Anéis”, mas mais bem-apessoado e simpático.

Desde a introdução, a animação do filme já impressiona, revelando um esmero bem-vindo, sendo marcadamente superior a de “Enrolados” (Tangled, 2010), filme da mesma companhia que mais se assemelha a essa produção. Seja na iluminação e as cores vivas que ela produz na neve fofa, a maneira como ela é animada, seja sendo pisoteada por cavalos, ou grudada em roupas, ou a barba sutil de Kristoff, o vivo ruivo do cabelo de Anna, ou em quaisquer outros aspectos, ela é bela. A arquitetura e figurinos são também marcantes, e, juntamente às paisagens, evocam um tom estrangeiro e específico, fugindo do enfadonho reino encantado genérico. Já o 3D é bastante competente, na linha do que se espera de filmes desse tipo. Frozen é a prova de que, desde “Bolt- Supercão” (Bolt, 2008), o primeiro filme de animação 3D do estúdio, este progrediu muito.

É curioso o filme brandir com tanta força o estandarte de musical, gênero incomum hoje, até no cinema infantil. Mas os números musicais são, no fim, um dos melhores aspectos da produção. Dentre todas as músicas, compostas pelo casal de esposos Robert Lopes e Kristen Anderson-Lopez, nenhuma se mostra desnecessária ou exagerada, seja nas mais angustiadas, ou nas mais calorosas, como  [spoiler(s) a frente] a cômica canção de amor que Anna e seu pretendente Hans cantam, ou no ode ao verão de Olaf. [fim de spoiler(s)] Algo bastante inusual em um gênero onde é comum as músicas serem intrusivas, inesperadamente surgindo com pedestres, sem a qualquer cerimônia, de uma hora para outra, passando a dançar e cantar junto aos protagonistas, estragando o impacto da película. Com isso dito, é importante ressaltar que, ao menos na versão do Brasil, a canção de abertura possui um áudio de canto de difícil compreensão. Quando rolam os créditos, porém, é reproduzida uma das canções na língua original, e se percebe o quão mais impressionante é aquela música, assim como devem ser as outras, cantadas em inglês.

O filme, porém, não é sem suas falhas. É um tanto obcecado com o conceito do  “verdadeiro amor”, quase onipresente no cinema e na literatura infantil, por mais que acabe, felizmente, criticando alguns dos clichés que o envolvem. [spoiler(s) a frente] O final também se mostra deveras açucarado, após uma ótima passagem onde faz-se acreditar que Anna morreu, e que, ao contrário do que se esperava, o fim não seria previsível. Ao menos  a salvação da garota vem pelo ato de verdadeiro amor da irmã, ao invés de vir de seu par romântico, valorizando o amor de alguém além do pretendente, incomum numa história sobre princesas. [fim de spoiler(s)]

[spoiler(s) a frente] Há, no segundo ato, a traição de Hans. Ele revela que seduziu Anna para conseguir o reino, e estaria disposto a matar sua irmã para consegui-lo. A traição e exploração aristocrática são um conceitos interessantes a ser introduzidos numa história para crianças, porém nesse caso foi forçada. Hans, de uma personagem interessante, diminui-se quase totalmente ao prosaico vilão maldoso. Ele, como regente, abriu os portões do castelo para oferecer abrigo e comida aos habitantes, contrariando a vontade do maior parceiro comercial do reino, o ótimo e engraçado vilão Duque de Weselton (Alan Tudyk no original), um ato perigoso politicamente. Também foi prestativamente atrás das princesa e da rainha na nevasca, quando as duas corriam perigo, mesmo levando em conta que se não tivesse ido, herdaria o reino de qualquer maneira, ou que poderia ter deixado Elsa morrer quando durante o resgate, foi atacada por homens da comitiva, agora parecia contrariar essas ações.[fim de spoiler(s)]

Pelo menos a conclusão,  [spoiler(s) a frente] passada no verão, com Olaf ganhando uma nevasca particular sobre sua cabeça para sobreviver, com Kristoff e Anna como um recém-formado casal, ao invés de casados e “felizes para sempre”, Elsa como rainha solteira, e com o exílio de Hans e do Duque de Weselton, [fim de spoiler(s)] fecha com chave de ouro uma das melhores animações dos últimos anos.

Por Eduardo Henrique G. S. Martins