O Vôo (Flight, 2012), Crítica

Aviso: a crítica abaixo contém alguns spoilers, que estão sinalizados por [Início de spoiler(s)], ao começo, e [Fim de spoiler(s)] após. Se você não assistiu ao filme, a leitura da crítica não deve ser prejudicial, desde que não se leiam as partes com spoilers.

O Vôo (Flight, 2012) foi dirigido pelo veterano Robert Zemeckis, que não dirigia um live-action (filme com atores mostrados, diferente de uma animação) desde 2000 com Náufrago (Cast Away), e escrito por John Gatins. A produção conta a história de Whip Whitaker, piloto de aviões, que, após uma aterrissagem de emergência impressionante, enfrenta acusações de estar sob efeito de substâncias tóxicas durante o vôo.

As atuações são em geral boas, sem nenhuma forçada. Don Cheadle se prova cameleônico, ao menos para mim, interpretando Hugh Lang, um advogado calmo e confiante, extremamente polido, que afirma que seus clientes não vão para a cadeia. Denzel Washington não se distancia de seu pão com manteiga, porém o faz competentemente, criando um alcoólico cocainômano eventual, garanhão, engraçado, mas também sério, e altamente frustrado pelo distanciamento de sua família. John Goodman está novamente muito engraçado, no papel de Harling Mays, companheiro de Whip. [Início de spoilers] Porém, após ser introduzido, desaparece pela maior parte do filme, para reaparecer felizmente ao final, com uma participação infelizmente pequena. [Fim de spoilers] Seu relacionamento com o Capt. Whip poderia ter sido melhor explorado, já que Mays é o único verdadeiro amigo do piloto, o que fica implícito, e também seu fornecedor e parceiro no consumo de cocaína. Kelly Reilly faz excelentemente Nicole, uma doce e bela ruiva sulina, órfã viciada em heroína.

Aliás, um dos aspectos mais marcantes do filme é a inicial separação das histórias de Nicole e Whitaker, as quais aparentemente são dois filmes diferentes editados juntos, o que causa um certo desconforto. A divisão mesma me fazia procurar, enquanto eram projetadas, alguma relação entre as histórias paralelas. Por fim percebi que os realizadores provavelmente brincavam comigo, me conduzindo a fazer o que queriam, como um adulto que engana uma criança, imaginei-os se contorcendo e dando risadas, e achei uma ótima forma de fazer o filme, bastante não usual e vanguardista, até, contrapondo a natureza conservadora mais tarde revelada.

A trilha sonora é composta por músicas amplamente conhecidas, e boas  na minha opinião, que adicionam mais um elemento cômico à produção que a beneficia, com a exceção da faixa da banda americana Pearl Jam. Além destas, composições originais estão lá, mesmo que por vezes desnecessárias, adicionando melodramatismo cansativo, e por outras servem para engrandecer o filme positivamente, [Início de spoilers] como na cena em que Whip encontra o frigobar cheio de bebibas alcoólicas e pondera consumi-las. [Fim de spoilers] De qualquer maneira, falta inspiração e criatividade à essas originais.

Ao decorrer do filme, o foco vai de vez em quando, e gradativamente com maior frequência, para religiosidade (cristã, para ser mais específico), o que inicialmente parece uma crítica coerente, porém com o passar do tempo se revela propaganda religiosa pedante. [Início de spoilers] Respeito o que faz o protagonista ao final, porém é mostrado como uma salvação, por aceitar deus, ou uma aceitação de deus pela iluminação trazida pela salvação. [fim de spoilers] Esse aspecto machuca deveras a produção e faz com que este filme não seja ótimo, ao meu ver. Outra forma de propaganda que incomoda são as marcas inseridas a qualquer momento, tornando o filme um comercial de relógios, bebidas, e outras coisas em momentos.

Eduardo Henrique Martins